Giovanna Antonelli é Lívia, mulher cheia de amarras, em Filhas de Eva: “Desafiador no ritmo, energia”

Atriz celebra encontro de gerações na série do Globoplay e vê as conquistas femininas cada vez mais fortes


29 de março de 2021 00h32

Foto: Globo/Estevam Avellar

Quem tem a oportunidade de conversar com Giovanna Antonelli, logo é cativado com o seu alto astral. Ela é simpática, falante. Uma das principais atrizes de sua geração, em seus inúmeros trabalhos ela também quase sempre aparece em cena mais vibrante, seja em protagonistas, vilãs. Já em seu novo papel, a Lívia, uma mulher cheia de amarras emocionais, na ótima série Filhas de Eva, do Globoplay, o público poderá ver mais uma vez o talento da atriz, com um outro viés, mais contido. “Nas gravações, a toda a hora lembravam de eu abaixar a mão. Foi desafiador, de energia, de ritmo, de ir para outro lugar assim que eu ainda não tinha ido num personagem”, conta.

Na história de autoria de Adriana Falcão, Jô Abdu, Martha Mendonça Nelito Fernandes e com direção artística de Leonardo Nogueira, Lívia é psicóloga de casais, casada com Kleber (Dan Stulbach), e mãe de Dora (Débora Ozório). “Imagina para uma pessoa que cuida de casais, ter que entender que o próprio relacionamento sempre foi falido. Mas, ao mesmo tempo, isso se torna um pedal para ela se transformar e mudar de vida. Uma lição, né?”, diz. Tudo começa a mudar quando a mãe dela, Stella (Renata Sorrah), pede o divórcio em plena festa de Bodas de Ouro. Ali, Lívia também conhece Cléo (Vanessa Giácomo), uma mulher mais livre, descompromissada. Aos poucos, essas três mulheres, junto com a jovem Dora, vão se libertando e vivendo momentos que jamais imaginariam.

Como você definiria a Lívia? Ela é uma mulher bem-sucedida profissionalmente, é psicóloga de casais. E tem uma vida a dois, um relacionamento, completamente inverso a isso. Ela consegue resolver a vida dos outros, mas não a dela, é cheia de amarra emocional. Ela criou um castelo dentro do casamento dela, onde vive de ilusão. Até porque ela é influenciada pela união dos pais, casados há 50 anos, tem esse padrão familiar que ela endeusa e gostaria de viver. Só que a realidade da relação dela não é essa.

Foto: Globo/Paulo Belote

A filha, Dora, a ajuda nessa mudança, né? Ela traz esse olhar livre do jovem de hoje, porque a Lívia é cheia de padrões. E a filha vem para libertar essa mãe quando ela começa a se transformar. O bacana é que nenhum personagem da série termina como começou, todos passam por uma transformação. Essa mensagem me atrai muito porque a vida é feita de transformações, a gente tem que ser elástico para sobreviver. Principalmente no último ano que a gente viveu, todos nós sofremos grandes transformações. E eu acho que ver personagens mudando, se transformando, é uma conexão bacana com o público.

Como a Lívia lida com a separação dos pais, com o anúncio da mãe que pede o divórcio, no dia em que comemora Bodas de Ouro? Acho que é o maior baque da Lívia na idade que ela chegou. O pai é um ídolo para ela, ela tem uma relação mais complicada com a mãe, e tem uma conexão maior com o pai. E ela idealizava aquele castelo dos dois. E eu acho que ela levou aquele padrão para a vida dela. Ela  nunca conseguiu enxergar o Kleber, marido dela, como ele é, mas sim como ela sempre desejou que fosse. E a vida vai mostrando para ela, dolorosamente, que aquilo não existia.

Você se identifica em algo com a Lívia ou mais com as outras personagens? Se eu tiver que fazer um paralelo, eu, Giovanna, me identifico muito mais com Cléo e a Stella. A Stella com as decisões, as mudanças, e Cléo com essa liberdade dela. E Lívia foi um desafio pra mim. Eu só escutava assim nas gravações, olha a mão, olha a mão. Eu não sabia onde podia colocar a energia. Eles diziam, ela não tem mão, não tem gesto, até que ela vai se transformando... Mas foi desafiador, de energia, de ritmo.  

Que situações essas três personagens vão viver e o que mais o público feminino vai se identificar? No fundo, elas não se conheciam mesmo, e uma vai despertando essa busca na outra. E, de certa forma, essas três mulheres viram parceiras, viram generosas umas com as outras. Acho que a gente vai se identificar com as histórias dessas mulheres porque são histórias cotidianas.

Como é retratar esse encontro de gerações, falando em questões de feminismo e sororidade, como foi essa troca pra vocês? A partir do momento que o castelo da Lívia começa a ruir, através da decisão da Stella de pedir o divórcio, a Dora começa a ter um papel muito importante, até porque a Stella e a Lívia não tem uma relação de afinidade entre mãe e filha. E, consequentemente, Dora também não. Mas, a partir desse momento, a Dora entra na vida da Lívia muito forte, ensinando pra ela tudo o que ela não aprendeu, tudo o que ela não viu até ali, com esse olhar jovem. Então, essa troca foi muito bonita, que acontece nessa virada da trama.

A série começa mostrando essa invisibilidade da mulher, principalmente da Lívia e da Stella. Acha que os homens, que tratam as mulheres dessa forma, estão recebendo esse recado ou se eles acham que nunca é para eles? Eu acho que a gente tem tanta voz, que a gente gritou tão alto na nossa geração, que é um caminho sem volta. Querendo ou não, eles vão ter que aprender, eles vão ter que engolir. Eu vejo o meu filho (Pietro), está com 16 anos, ele me emociona todos os dias. O meu filho é um príncipe. Ele foi bem-criado por mim e pelo pai dele (Murilo Benício), pelas conversas em casa, mas ele é de uma gentileza, de uma generosidade, com as mulheres, os homens, com as pessoas, como a vida deve ser. Então, eu acho que essa geração já veio premiada e sorteada, dos nossos filhos e nossos netos, assim como a gente tem Dora na série. É uma geração já premiada, muito esclarecida, muito livre, nasceu livre, com outro olhar. Mas da nossa, a gente tem tanta voz, a gente virou tão forte, eu acho a mulher tão incrível, tenho orgulho tão grande de ser mulher, que eu acho que é um caminho sem volta, vamos estar mais presentes nas nossas ações e nas nossas vozes diárias.

Foto: Globo/Estevam Avellar

A Cléo, que tem uma vida tão bagunçada, admira muito a Lívia. Mas o contrário também acontece, né? Sim, a Lívia se atrai pela Cléo pela mulher livre que ela é, por uma liberdade que Lívia achava que tinha e nunca teve. Ali começa a romper coisas dentro da Lívia e vai desconstruindo aquele castelo. Mas você olhar para uma pessoa, admirar uma pessoa porque ela tem uma liberdade que você não tem, hoje, em 2021, já é um grande choque. E começa ali essa transformação da Lívia. Tem uma cena que ela está na garupa de uma moto e ela se sente a mulher mais livre do mundo. Ela nunca tinha sentado na garupa de uma moto, e a Cléo leva ela para andar. Ela se sente livre. E a liberdade vem de coisas pequenas, não só ao pé da letra, de sentir o vento na cara, nossa, eu estou respirando esse ar. Acho que isso enche o nosso dia a dia. O ano passado veio pra provar para gente que a gente tem que valorizar cada vez mais cada momento, a gente não sabe o que vai acontecer amanhã. A gente não sabe quem vai pegar a Covid e como vai reagir. Então, é você fazer todos os dias coisas que te deixam feliz, óbvio que temos inúmeros problemas, a gente vai passando por eles. O meu personal outro dia perguntou, se tivesse um portal, você escolheria ir para passado ou para futuro? Eu escolheria o presente, o passado já foi, futuro, sei lá se vai dar ruim, eu quero o hoje.

A trama fala muito de liberdade. O que quer dizer liberdade para você? Essa palavra é tão vasta. Em vários momentos da minha vida eu me sinto livre. Eu me sinto livre quando eu posso ir para onde quiser, tomar decisões, pagar minhas contas, olhar para o pôr do sol, viajar. Acho que dependendo da situação, tem vários lugares de liberdade que a gente pode viver na nossa vida. E eu acho que dentro da nossa série, são mulheres que querem se libertar de amarras, de padrões pré-estabelecidos e elas querem se transformar. E falando da minha vida, eu me sinto livre em várias situações. E poder dizer não é libertador.

Há algo que você Que coisas você já precisou abrir mão para correr atrás do seu sonho? Ah, nada vem desacompanhado na vida. A gente está toda a hora, no dia a dia, abrindo mão de coisas para correr atrás de outras. Acho que não necessariamente um sonho, uma necessidade. Um trabalho, quantas vezes eu já deixei de estar em casa para poder estar trabalhando. E óbvio que é uma escolha, por milhões de motivos. Tudo isso em busca dos sonhos. A maternidade é uma busca de um sonho. Às vezes, você deixou de fazer várias coisas porque resolveu ser mãe, engravidar. Mas eu vejo muito como etapas da vida. Eu acho que você não chega a abrir mão, você adia. Mas quando você amadurece, você entende que está dando uma adiada naquilo para correr atrás do que está sendo imprescindível naquele momento, mas não que aquilo não seja. Você volta para esse sonho depois. Acho que quando a gente tem metas, elas também estão ali, você pode ter segunda meta, mas não desiste da primeira. Eu não desisto de nada, eu sempre volto atrás daquilo que eu dei uma encostada por um momento, porque não adiantava perder tempo e energia com aquilo. Então, eu acho que quando a gente vai encontrando esse peso e medida da vida, não precisa deixar nenhum sonho de lado para alcançar outro.

Giovanna Antonelli, Renata Sorrah e Vanessa Giácomo são mulheres em busca de liberdade em Filhas de Eva