Dani Ornellas faz 24 anos de carreira e realiza sonho: Viver a Rainha da Pequena África em trama das 6

Atriz fala da potência e representatividade do papel e do mergulho em nova peça, filmes e em sua horta comunitária


26 de abril de 2021 00h38

Foto: Ana Alexandrino

Por Luciana Marques

Com 24 anos de uma carreira sólida nas artes, passeando pelo teatro, TV e cinema, Dani Ornellas realiza um sonho: dar vida à Cândida, Rainha da Pequena África, em Nos Tempos do Imperador, trama das 6 com estreia prevista para agosto. A representatividade, a potência do papel e a possibilidade de poder ressignificar a história que é contada em livros sobre a escravidão, tudo isso instiga a atriz. “Fazer uma novela de época interpretando uma rainha é um símbolo positivo e eu gostaria que despertasse o desejo das pessoas em saber mais sobre rainhas e reis pretos. E que isso ajudasse na desconstrução do imaginário criado nos livros, filmes, revistas e na TV”, afirma.

Aos 43 anos de idade, Dani, mãe de Moreno, de 10, não parou de produzir, nem mesmo durante a pandemia. Tanto que, além da novela, ela tem engatilhados uma peça e dois filmes. Cria do teatro, a atriz deseja voltar em breve também aos estudos. “Minha mãe sempre repetiu: ‘Conhecimento não faz peso na bagagem’. Sobre o passar dos anos, ela fala que, com tudo o que estamos vivendo, “envelhecer é para quem tem sorte”. E rechaça o culto à juventude eterna. “Tempo é rei, sabedoria e nossa memória ancestral viva”. Na entrevista, Dani fala ainda sobre a horta comunitária, que criou em seu bairro. “É uma forma sustentável e consciente de ocuparmos espaços produzindo alimento”.

Rainha Cândida (Dani Ornellas). Foto: Reprodução Instagram

O elenco de Nos Tempos do Imperador vive algo inédito, que é estar gravando uma novela há tanto tempo, com pausas, retornos, novas pausas... Como vocês, atores, têm lidado com tudo isso? É realmente novo e requer muito mais cuidado. Por ser uma novela de época não temos a possibilidade de gravar nada remotamente nem podermos usar máscara, isso nos obriga a fazer muitos testes de covid, e eu essa semana completo 30 testes e graças a Deus todos negativos. Não posso responder por todo o elenco mas o que observo e compartilho com colegas é que nós precisamos superar medos e mesmo com todos os cuidados nos expomos para proporcionarmos diversão e entretenimento ao público. O espectador que está em casa sabe disso e todas essas questões deixam o trabalho mais forte.

Você já falou que esperava essa personagem, a Rainha Cândida, há 23 anos. Por quê? A novela conta a história do Imperador. Mas fazer a rainha Cândida, tendo nela referências positivas, contar a história de resistência e articulações na busca pela liberdade e ressignificar a história que é contada nos nossos livros mostrando que nunca fomos pacíficos diante da barbaridade da escravidão, é para mim a realização de um sonho. É ouvir ecoar em cada capítulo que mostre um pouquinho da pequena África esse grito que parecia estar parado no ar.

Foto: Ana Alexandrino

Além de toda a complexidade do trabalho, para compor ela, os estudos de prosódia, esse seu entusiasmo tem a ver também com a questão da representatividade, de dar vida a uma Rainha na TV num horário em que inúmeras crianças pretas estão assistindo? Nesse horário da novela muitas famílias estão reunidas, fico sonhando que tudo o que as pessoas assistam na novela Nos Tempos do Imperador gere muitos questionamentos e vontade de mais informação. No que depender de mim estarei disponível para auxiliar nesse processo de desconstrução.

Fale um pouco mais pra gente sobre a história da Cândida, como você a definiria? Cândida é rainha na Pequena África, ela é uma zeladora espiritual que tem o dom da clarividência e cuida dos seus usando seu conhecimento ancestral. É casada com Dom Olú, interpretado pelo ator Rogério Brito. Eles são os pais de Zayla que é interpretada na primeira fase da novela pela atriz Alana Cabral e na segunda fase é interpretada pela atriz Heslaine Vieira. Essa filha vai dar muito trabalho (risos).

São quase 25 anos de carreira. Você é cria do teatro, premiada no cinema, tem inúmeros trabalhos importantes na TV, agora vem a Cândida. Que balanço você faz dessa trajetória, foi muito difícil conseguir um espaço ou tudo aconteceu da forma que tinha que ser? São quase 25 anos de trabalho árduo e muita mão na massa. Gosto de falar que sou muitas e gostaria de ser todas. Nessa caminhada tem muito estudo e dedicação. Foram quase quatro anos estudando no Tablado com diferentes professores, cursos livres na escola Martins Pena, oito anos de estudo nas técnicas de Michael Tchecov com Hugo Moss, cursos de canto, dança, oficina de roteiro, cursei faculdade de turismo, cursos de gastronomia, pedagogia, estudo na casa poema com a mestra Elisa Lucinda... E agora penso em retomar meus estudos. Minha mãe sempre repetiu: “Conhecimento não faz peso na bagagem” e eu acredito. Eu acordo todos os dias disposta e desejando fazer o melhor para abrir portas e janelas e seguir realizando o que me deixa feliz.

Como é a Dani mãe e qual o seu maior desafio de educar um menino, num país machista e com tantos jovens aí desorientados? A Dani mãe conversa com o filho explicando para ele que vamos errar e acertar juntos tentando fazer o melhor, que na nossa casa o riso e o choro são livres e que como a casa é nossa nós temos que cuidar. Desejo educar um homem que eu tenha orgulho da humanidade que ele carrega. Os desafios de criar uma criança preta em um país racista e machista é o de conscientizar desde cedo. Isso envolve acompanhar de perto o que a escola oferece para ele, comprar livros e filmes que positivem quem ele é e desconstruir a violência e os apagamentos que tentam impor sobre ele, desde desenhos animados, revistinhas e falas sobre seu cabelo black power que ele ostenta com orgulho. Sei que para além disso precisamos de políticas públicas que protejam e potencializem nossas crianças e adolescentes. Isso exige consciência na hora do nosso voto nos políticos do nosso país e acompanhar o que está sendo feito.

Você está com 42 anos. Como lida com a idade e o passar do tempo, se gosta mais hoje, tem crise de idadeOlhando para o que vivemos nesse momento e a quantidade de pessoas que estamos perdendo diante da pandemia, eu só consigo ser grata por chegar até aqui. Envelhecer é para quem tem sorte. Minha melhor amiga Ruth de Souza me deixou aos 98 anos, cheia de desejos e trabalhando comigo e com a diretora Juliana Vicente na realização de nosso filme sobre a vida da Ruthinha. Mesmo sabendo do culto que nossa sociedade faz, tentando nos fazer acreditar na juventude eterna. Tempo é rei, sabedoria e nossa memória ancestral viva.

Foto: Ana Alexandrino

No período em que as gravações estiveram suspensas, você não parou de produzir, né? Quais os projetos que nasceram nessa quarentena? Sou grata por não ter parado de produzir em um momento tão difícil para a classe artística, cultura e a educação. A arte que vem sofrendo golpes e uma tentativa de sufocamento há muito tempo, mas com a pandemia e a falta de políticas tudo se agravou muito. Em alguns momentos da minha carreira eu faço ao mesmo tempo: novela, teatro e cinema. Dessa vez não está sendo diferente, muitos cuidados e eu mergulhei na novela, em dois filmes, um espetáculo, meu projeto da horta comunitária e me dedicando a um outro projeto pessoal. Tenho disposição e desejo para fazer muito mais.

Durante esse período, nós até divulgamos uma matéria sobre a horta que você criou no seu bairro, um trabalho lindo de ativismo ambiental. Como está esse cantinho lá, as pessoas compraram também a sua ideia? Aproveito para agradecer mais uma vez a matéria divulgando meu trabalho na horta. É uma forma sustentável e consciente de ocuparmos espaços produzindo alimento. Principalmente nesse momento que tantas pessoas estão com fome e suas panelas estão vazias. Esse é um sonho e sei que não é só meu, acredito nesse projeto pois já vi e li muitas matérias sobre isso acontecendo em outros lugares do mundo. É difícil mudar o comportamento e a forma das pessoas pensarem, pois o condicionamento atrapalha. Tenho vizinhos que jogam lixo na horta, reclamam, cortam plantas que são alimentos, só não cortam o meu sonho e desejo.