Paulo Lessa festeja novo protagonista, em Terra e Paixão. “Resisto há anos, ser ator negro no Brasil não é mole”

Intérprete do Jonatas fala da alegria e do desafio de atuar na trama das 9 e lembra batalha para conquistar seu espaço


08 de maio de 2023 01h15

Foto: Mia Shimonn

Por Betina Azoubel

Prestes a estrear como o Jonatas, na novela Terra e Paixão, nesta segunda, 8 de maio, Paulo Lessa, de 41 anos, afirma que vive um dos momentos mais especiais na sua vida. Com 15 anos de carreira, ele interpreta o segundo protagonista consecutivo na TV – ele fez o Ítalo, de Cara e Coragem, em 2022/2023. Mas para quem vê as conquistas do ator hoje, não imagina o quanto ele batalhou para ter o seu espaço. “Ser artista negro no Brasil não é mole. Eu venho resistindo há muitos anos, não comecei agora. Então isso que está acontecendo é maravilhoso”.

Na vida real, Paulo também passa por uma fase significativa, em que descobre a cada dia os prazeres de ser pai de Jade, de quase dois anos, da união com a dentista cabo-verdiana Cindy Cruz. E é com a família que  busca energia para poder dar o seu melhor na telinha. “Quando a gente consegue uma folga, tento aproveitar da melhor maneira possível com elas”. O ator também ressalta a importância da representatividade no audiovisual. Na trama das 9 de Walcyr Carrasco, há dois atores negros protagonistas, ele e Barbara Reis, a Aline. “Espero que a gente consiga deixar um legado importante para as próximas gerações”.

Filho de Idalice Moreira Bastos, a Dai – que morreu em 2012 – cabeleireira, trancista, intelectual e mobilizadora social, que fundou a ONG Afrodai, Paulo sabe a importância de subir cada degrau com estudo e determinação. E será que a sua história de superação daria um bom enredo de folhetim? “Se pensar direitinho, acho que de repente dá uma novela, um filme. Gostei da ideia, adorei”.

Jonatas (Paulo Lessa) e Aline (Barbara Reis). Foto: Globo/João Miguel Junior

O que mais tem instigado você nesse trabalho em Terra e Paixão desde o momento que soube que faria o Jonatas?

Entrar de cabeça num universo completamente diferente do meu personagem mais recente, o Ítalo em Cara e Coragem. Eu sou um cara muito urbano, nascido e criado em Copacabana. Acho que desde a roupa que é usada pelo meu personagem até a música que é ouvida, é tudo muito diferente. E eu estou adorando, dirigindo o trator, ouvindo sertanejo, tomando tereré, então são vários quesitos aí que me instigam mesmo. E eu acho que o desafio mais importante assim, nunca falei muito disso, mas eu morria de medo de fazer o sotaque. E a minha ida lá pro Mato Grosso do Sul, me aproximando um pouco mais dessa cultura, dessas pessoas, acabou desbloqueando isso pra mim.

 

O Jonatas será o cara que mais apoiará a Aline em momentos difíceis e guarda um sentimento secreto por ela. O que esperar dessa disputa entre você, como o Jonatas, e Cauã Reymond, como o Caio, pelo coração dela?

Pois é, o Jonatas no início da novela é um alicerce pra Aline retomar essa vida após uma perda grande. Ela perde o marido no início da novela, que é primo do Jonatas. Só que eu acho que esse sentimento que ele nutre pela Aline nem é tão secreto assim. Acho que ele se reserva um pouco por conta dessa proximidade também com o marido dela, deles serem primos, enfim. Mas eu acho que é algo muito interessante, porque esse quarteto, são personagens todos com temperaturas muito diferentes. Eu acho isso maravilhoso, todos eles de alguma forma mostram uma fragilidade nesse lugar do amor. Eu acho que a nossa novela tem personagens femininos incríveis como a Aline, a Lucinda, a Mara, a Mená, são personagens femininos de muita força e personagens masculinos supersensíveis. Então eu acho isso muito interessante, uma quebra de alguns estereótipos e isso acontece de maneira surpreendente. Quando a gente acha que o personagem vai mais uma vez reforçar um estereótipo do machão, aquela coisa, de repente ele mostra uma faceta um pouco mais sensível, e isso isso é muito legal na nossa novela.

Você se destacou em Cara e Coragem vivendo seu primeiro protagonista. A novela mal acabou e você já foi anunciado como um dos protagonistas de Terra e Paixão. Como avalia isso tudo que tem acontecido na sua carreira?

Essa emendada de um trabalho no outro foi algo que eu confesso que me surpreendeu. É a primeira vez que acontece isso na minha carreira. Eu que já tenho algum tempo de carreira, estou há mais de 15 anos trabalhando e correndo atrás do meu espaço. Eu vejo como algo maravilhoso, resultado de muita luta, de muito esforço, de muito estudo, de muita dedicação. Aquela coisa que as pessoas falam da sorte. Mas a sorte acompanhada de muito trabalho, né? De muito tempo de estudo, de dedicação. Eu estou vivendo uma fase muito especial na minha vida. Não só profissional, mas eu sou pai agora. Tenho uma filhinha que vai fazer ainda dois anos, bem novinha. Então eu estou vivendo algo muito especial na minha vida.

Foto: Mia Shimonn

As três novelas que estão no ar têm protagonistas negros e Terra e Paixão também terá, com você num dos principais papéis. Como avalia esse momento, da representatividade no audiovisual?

Eu acho a representatividade no audiovisual fundamental. E fico muito feliz com o momento que a gente está vivendo. Vendo o Samuel de Assis e a Sheron Menezzes protagonizando Vai na Fé. Tem o Diogo Almeida ganhando uma oportunidade em Amor Perfeito. A Barbara Reis agora na novela das 9, estamos juntos ali. Eu tô lá com ela, tem Flávio Bauraqui, tem Camila Damião e muita gente boa. E eu acho isso fundamental porque o nosso povo precisa se ver nos nossos produtos. Não tem como o audiovisual ficar num mundo à parte do que está acontecendo na vida real e na vida real a gente tem discutido esses espaços. A gente tem discutido essas oportunidades e a representatividade. Então, eu acho fundamental o audiovisual, que é tão íntimo do povo brasileiro, especificamente as novelas, falarem disso também. Eu via há um tempo, por exemplo, o beijo gay e era um era um acontecimento nas novelas. Uma coisa assim parecia algo fora do normal. E hoje em dia a gente já vê um pouco mais normalizado porque é assim na vida. Então fico muito feliz de estar participando disso, fazendo parte dessa engrenagem aí, nessa transição. E eu espero que a gente consiga deixar um legado muito importante para as próximas gerações. Que seja mais simples e mais tranquilo para os próximos que virão assim. Mas eu estou muito feliz com isso.

Em tempos de gravação, como administra a rotina, para não perder momentos com sua filha, esposa?

Pois é, um pouco complicado isso, né? Porque quando a gente começa a gravar é uma dedicação extrema, mas a gente vai aprendendo a dividir direitinho esse tempo. A família também acaba se adaptando, entendendo um pouco essa rotina, mas sempre que eu posso tento aproveitar minhas folgas com a minha família fazendo as coisas que a gente gosta. Coisas simples que é eu adoro ir a praia, passear com a minha filha, brincar com ela em casa mesmo.

Consegue cuidar do corpo e da alma quando se está gravando?

Olha, eu tento cuidar. Geralmente a atividade física e esse contato com a natureza, com a praia, principalmente, que é algo que eu sou muito ligado, fazem muito bem pro meu corpo e pra minha cabeça, pra me manter saudável, ativo e animado pra toda a rotina pesada de gravação. Então, eu tento me manter saudável não só fisicamente, mas espiritualmente também pra segurar a onda.

Acredita que a sua história é de superação e daria um bom enredo de novela?

Eu nunca pensei nisso. Com certeza absoluta a minha história é de superação porque ser artista negro no Brasil não é mole. Eu venho resistindo há muitos anos, como eu falei, eu não comecei agora. Apesar de aparecer agora para o grande público, de maneira geral, mas eu já estou há mais de 15 anos na carreira correndo, buscando o meu espaço. Então é sim uma história de superação, com certeza. Se pensar direitinho acho que de repente dá uma novela, um filme. Gostei da ideia, adorei!