Zé Victor Castiel relembra sucesso do brocha Viriato: “Muitos atores recusaram o papel na época”

Ele vê hoje os jovens mais tolerantes sobre o tema e anuncia a inauguração de parque cultural em Porto Alegre


27 de outubro de 2020 12h33

O ator é destaque como o Viriato, na reprise de Laços de Família. Foto: Divulgação

Por Luciana Marques

*A entrevista completa está disponível no vídeo, abaixo.

Com 45 anos de uma sólida carreira nas artes e números que impressionam – ele completou 17 anos em cartaz com o espetáculo Homens de Perto –, Zé Victor Castiel relembra um de seus papéis mais marcantes na TV: o Viriato, que sofria de impotência sexual em Laços de Família. O personagem da trama de Manoel Carlos, exibida originalmente no ano de 2000, pode ser visto agora no Vale a Pena Ver de Novo. O ator gaúcho de 62 anos lembra que alguns colegas recusaram o papel, talvez por receio de ficarem estigmatizados. “Venho da escola de teatro e aprendi que o ator está a serviço do personagem e não o contrário”, diz. Zé lembra ainda que também foi criticado, na época, por uma frase de uma entrevista: “Eu disse, ‘todo o homem é um brocha em potencial, quem não brochou, um dia brochará’. E isso é verdade, faz parte da vida. Vai ter um dia que o cara não vai conseguir”, comenta.

Durante o papo, Zé Victor lembra da repercussão do trabalho e da parceria com Soraya Ravenle e Carla Dias, que interpretaram respectivamente, Yvete, a mulher de Viriato, e Rachel, a filha. O ator, também colunista do Jornal Zero Hora e empreendedor cultural, fala com orgulho que hoje pode até se dedicar mais ao lado artístico, por contar com a ajuda dos filhos, João Victor, de 26 anos, administrador de empresas, e Alice, publicitária, de 30, da união do ator com a psicanalista Sissi Castiel. Entre os projetos empresariais de Zé, está a inauguração de um grande parque cultural, à beira do Rio Guaíba, em Porto Alegre. O empreendimento contará com três palcos e cinema ao ar livre, local para exposições de arte, bar e restaurante. Num primeiro momento, seguirá os protocolos de segurança por conta da pandemia da Covid, e quando tudo se normalizar, poderá receber até 2000 pessoas. “É um lugar que Porto Alegre merecia e nunca teve”, conta.

Yvete (Soraya Ravenle), Viriato (Zé Victor Castiel) e Rachel (Carla Diaz). Foto: Globo/Divulgação

Você disse que durante a novela teve o título de “O brocha do ano no Brasil”. O que você lembra da repercussão do personagem, e como foi para você interpretar o Viriato? Na época, muitos atores recusaram esse papel. Porque, provavelmente, talvez não quisessem ficar estigmatizados com um personagem. Mas eu venho de uma escola de teatro. E na primeira experiência a gente aprende que o ator está a serviço do personagem e não o contrário. Em momento algum, eu pensei em recusar, em não abraçar, em não ter essa oportunidade em função dos problemas do personagem. Até porque o ator existe justamente para que acreditem no personagem. Senão nas novelas, o padre seria padre mesmo, um brocha seria um brocha, um açougueiro teria um açougue na vida real... Então, o bonito do nosso trabalho de ator é poder emprestar o corpo e fazer, de uma forma tão verossímil, que as pessoas acreditem que é verdade. Como se faz isso? Não criticando o seu personagem, obedecendo cegamente o que vem determinado pelo autor e, principalmente, pela direção. Então é isso talvez que fez com que o personagem ficasse tão popular. Mas claro que algumas providências a gente tem que tomar. Quem estiver assistindo a novela vai perceber que o Viriato, que era machão, ele não era machista, ele não maltratava ninguém, mas ele tinha aquele defeito de fabricação milenar, dessas questões de preconceito de cozinha, de lavar roupa... A Nany People, nós fizemos um filme juntos, e ela tem uma tese que eu acho sensacional. Ela diz que nós viemos de uma geração que aprendeu assim, que aprendeu a tolerar o preconceito, sem se dar conta de que era preconceito. E que nós estamos em desconstrução, os que querem. Ela diz que é uma machista em desconstrução.

Yvete (Soraya Ravenle) e Viriato (Zé Victor Castiel). ??????Foto: Reprodução Globo

Como você tem visto a repercussão hoje do Viriato, principalmente, com a redes sociais? Eu sou um cara que não tenho muita dependência de internet. Eu nunca tive Facebook e não tenho Twitter, eu saí. Justamente porque eu acho que se forma em torno dessas redes sociais uma bolha, que faz com que pareça que uma determinada coisa é de um jeito, e a gente vai ver e a vida é completamente diferente daquilo. Então, a repercussão que eu tenho, em geral, do Instagram, é de pessoas que não viram a novela e estão vendo pela primeira vez. E elogiam a minha atuação, porque normalmente são jovens. E os jovens já não têm esse defeito de fabricação que nós temos. Eles já são muito mais tolerantes, mais livres nesse pensamento. Eles não têm mais essas questões de gênero como uma coisa importante, de instabilidades. Então vem muito elogio por esse lado. E, por outro lado, de pessoas que já viram e já foram preconceituosas há 20 anos, e agora conseguem ver valor artístico nas coisas da novela. Tem sido extremamente prazeroso lidar com o público agora, não que tão tenho sido naquela época. Sendo muito sincero, casado há 35 anos com a mesma mulher, com dois filhos adultos, naquela época, quando havia a brincadeira na rua, o ‘sarrinho’, eu já encarava como uma vitória. Porque eu estava fazendo com que as pessoas acreditassem que aquele cara que eu tava fazendo na televisão, ele existia. E eu era completamente diferente dele, e eu não estou falando da questão sexual. Eu disse uma frase na época, que foi até destaque na Veja, e eu fui muito criticado por isso, eu disse: “todo o homem é um brocha em potencial, quem não brochou, um dia brochará”. Isso é verdade, isso faz parte da vida. Vai ter um dia que o cara não vai conseguir.

Tem uma cena que deve ir logo ao ar, quando o Viriato procura um médico para se tratar.... E o legal do texto do Maneco é que ali o profissional que atende o personagem dá uma aula do problema, se aprofunda no tema, explica que a impotência pode ser um problema psicológico ou neurológico...  Sim! E por outro lado mostra uma questão muito séria nessa sequência. O Viriato, por exemplo, não se dá conta da própria obesidade dele, porque hoje eu sou um cara 25 quilos mais magro do que personagem era e, na cena, o Viriato sai da consulta tão feliz com o que o médico falou, que a primeira coisa que ele faz é entrar numa padaria e pedir uma bomba de chocolate. Quer dizer, na verdade, ele não entendeu nada do que o médico falou. Ele precisava de uma mudança de vida geral, ele precisava ser um cara diferente do que ele era. Não só nas questões da casa, ele era um cara muito querido, cuidava da menina, ele só não era o provedor. Ele tava numa situação terrível, a mulher tinha o emprego e geria, mas ele era prestativo. Quando eu comecei os ensaios, eu me dei conta de que o Viriato poderia fazer muito sucesso. Ele era um cara que tava completamente deprimido, à beira da depressão patológica, mas sempre metido em situações engraçadas. Aí o que que eu fiz? Se você observar hoje na novela, você vai ver que em momento algum o Viriato sorri. Todo o mundo ri das coisas que ele faz e fala, mas ele nunca sorri. Isso foi uma providência que eu tomei enquanto ator, para tornar ele verdadeiro. Então havia e há no novo público uma situação muito ambígua com o personagem, de pena em relação à situação dele e de solidariedade em relação à vida que ele leva. E isso faz com que as pessoas gostem, tenham carinho pelo personagem. E isso é uma coisa de sociologia mesmo.

Foto: Reprodução Instagram

Mas ali no caso dele, da impotência, a mulher, a Yvete, sempre o apoiou, né? Os dois tinham uma virtude maravilhosa, eles se amavam profundamente. Então em momento algum o Maneco propôs que falta da satisfação sexual do marido em relação à esposa, ela procurasse uma nova aventura. O que seria o final da vida daquele homem. Ao contrário, ela se empenhou em ajudá-lo. As pessoas diziam que ela era chata, mas ninguém se colocou no lugar dela. Ela foi extremamente fiel a ele, amorosa, era uma mãe maravilhosa e uma esposa mais maravilhosa ainda. Então, eu sempre digo que o Viriato é que causava toda aquela confusão, em função dos seus preconceitos, dos seus medos, da sua tacanhez. Ele era muito tacanho, um pouco ignorante também, sem estudo, não era burro, mas ignorante.

O ator com a mulher, a psicanalista Sissi Castiel. Foto: Reprodução Instagram

E como você tem visto esse momento difícil da cultura? No Rio e em São Paulo, aos poucos, estão retomando, seguindo protocolos, mas muitos técnicos e profissionais da área ainda estão sem trabalho, né? Não se tem feito cinema, séries, nada disso. E isso bate direto com pessoas que não tinham possibilidade de buscar o seu sustento em outro lugar. Estou falando do cara que serve cafezinho, da moça que é técnica de som, do pessoal da técnica mesmo, desse pessoal que não está conseguindo trabalhar de forma online. A grande maioria dos trabalhadores em cultura são iluminadores, sonoplastas, camareiros, essas pessoas estão sofrendo de absoluto perigo social, às vezes não tem o que comer. Não é o Zé Victor Castiel, que guardou a sua reserva e consegue viver. São pessoas que não tem de onde tirar o seu sustento, isso é vulnerabilidade social. Nós precisamos que o governo veja isso, que libere as verbas, que bote a Ancine para trabalhar novamente, que coloque as instituições a serviço disso. Eu li no livro do Jô Soares, no segundo volume, Livro de Jô, e tem uma passagem quando ele fala do presidente Roosevelt, dos Estados Unidos. E diz que quando aconteceu a Grande Depressão, a crise econômica, o governo destinou milhões de dólares à cultura, porque eles se deram conta de que a cultura movimentava a economia. No Brasil é a mesma coisa, o entretenimento movimenta muito. Tem um estudo da Fundação Getúlio Vargas que diz que a indústria do entretenimento movimenta mais do que a do medicamento. Então eu acho que o nosso Secretário de Cultura (Mário Frias), que ele deixe de ser um ator de Malhação e passe a ser um ator de Shakespeare. E isso eu falo com carinho, porque eu não conheço a pessoa, mas ele precisa olhar para os seus pares. Precisamos resolver que essas pessoas que estão em situação grave social, os técnicos, tenham alguma maneira de superar esse momento tão difícil.

Zé entre Nahuel Pérez Biscayart e Jean Pierre Noher, nos bastidores do filme Diário de Um Novo Mundo. Foto: Reprodução Instagram

Você tem 45 anos de uma carreira muito bonita. Que balanço você faz dessa trajetória, há arrependimento, por exemplo, de não ter ido morar no Rio ou em São Paulo, ou tudo aconteceu como tinha que ser? Obrigado pela pergunta, porque às vezes cai no meu Google, por onde anda Zé Victor Castiel? O que aconteceu com Zé Victor Castiel? Mas tudo aconteceu, não como eu planejei, mas hoje eu posso dizer, de uma maneira muito retilínea, bacana. Primeiro, por não ter que me render a algumas coisas e segundo por poder fazer sucesso. O que é fazer sucesso? Viver bem com o fruto do meu trabalho, que é um trabalho de ator e de empreendedor cultural também. A grande questão que se colocou pra mim é, vou para o Rio de Janeiro com a minha família durante e depois do sucesso de Laços de Família ou mantenho a minha base em Porto Alegre? Eu conversava muito com o Tony (Ramos). E ele me disse uma frase interessante naquela época, que a gente só é caboclo na aldeia da gente. E aí eu me dei conta que no Rio teriam uns 300 gordinhos que faziam o que eu fazia melhor do eu, só não tinham oportunidades. E eu, ao contrário, na minha terra era um cara mais conhecido, festejado, tido como um dos melhores, isso chamou a atenção da Globo. Então, depois de Laços a minha carreira foi muito profícua na televisão, eu fiz quatro ou cinco novelas das oito, das seis, das sete, fiz três ou quatro minisséries, a Casa das Sete Mulheres, participei de vários programas. Eu tive a sorte de montar um espetáculo de revista no Rio Grande do Sul, Homens de Perto, que está há 17 anos em cartaz. E nunca precisei sair do Rio Grande do Sul com esse espetáculo. E apareceu o cinema na minha vida, tenho feito uns três filmes por ano. Fora isso, tenho os meus empreendimentos culturais. Tenho junto com o meu filho e o Rogério Beretta, nós fizemos há 21 anos o Porto Verão Alegre, que hoje é um dos maiores festivais multiculturais privados da América Latina. E hoje, com os meus filhos trabalhando comigo, posso me dedicar mais à carreira artística e menos a de empresário. Esse ano nós já fizemos um drive-in e vamos inaugurar um grande empreendimento em Porto Alegre, um parque cultural. Vai ser um local com bar, restaurante, três palcos e cinema ao ar livre, com distanciamento protocolar, exposições de arte... É um lugar que Porto Alegre merecia e nunca teve.  O nome é O Parque e será quase na beira do Guaíba. E ali vai poder passar a tarde inteira consumindo cultura e tomando o seu chopinho. Num primeiro momento com distanciamento social e num segundo momento, um lugar onde cabem duas mil pessoas.