Fernanda Marques, a Cecília, dedica estreia em novelas à mãe, criada no sertão, sem TV: “Está realizada em mim”

Após trabalhos potentes em filme e série, ela vive filha de personagem de Andréa Beltrão, com quem tem relação conflituosa, em Um Lugar ao Sol


22 de novembro de 2021 03h40

Foto: Guilherme Sausanavicius

Por Luciana Marques

*A entrevista completa está disponível no vídeo abaixo

Aos 27 anos, Fernanda Marques vive um momento especial na carreira. Após protagonizar o filme Nas Mãos de Quem Me Leva, de João Côrtes, e a série Colônia, ela conquistou, através de teste, um papel importante em Um Lugar ao Sol, de Lícia Manzo. Na trama das 9, a atriz vem chamando a atenção como a jovem Cecília, filha de Rebeca, vivida por Andréia Beltrão, por conta dos conflitos com a mãe. “Pode acontecer de o público não ter uma simpatia pela Cecília, pelo jeito que fala, mas é uma menina traumatizada, carente de afeto e da presença dos pais em sua vida”, avalia.

Diferentemente da personagem, Fernanda cativa pela doçura e simpatia, a personalidade também é forte. E a determinação, nem se fala. Tanto que a jornada da atriz, criada na periferia de São Paulo, foi árdua até conseguir um espaço. Aos 11 anos, ela fez um book para uma agência e começou a participar de comerciais, trabalhou como recepcionista e princesa de festas infantis. “Comecei a perceber que ser atriz não era fazer uma coisa meio da boca pra fora, sentia que faltava algo. Então pedi a minha mãe para fazer teatro, me formei e comecei a pegar papéis melhores, depois veio as protagonistas no filme, na série, fiz A Fórmula, participei de Mariguella, Apneia”, conta.

Durante o nosso bate-papo, Fernanda revelou também que o seu primeiro papel em novelas não foi significativo somente para ela. Mas mais ainda para a sua mãe, Juliana Marques, criada no sertão cearense, onde passou por inúmeras dificuldades. E como lá televisão era algo raro, às vezes, conseguia espiar as novelas no aparelho de algum vizinho, isso quando não fechavam a janela em sua cara. E ficava fantasiando aquele mundo, sonhando em ser atriz. “Ela está realizada em mim. E eu fico muito feliz com a felicidade dela, me emociona”.

Cecília (Fernanda Marques). Foto: Globo/Fábio Rocha

As pessoas já estão vendo cenas da Cecília, os conflitos com a mãe. Como você definiria essa jovem? A Cecília vai fazer 18 anos, está no último ano do colégio. Ela é uma menina de personalidade muito forte, muito marcante, assim como a mãe dela. Eu acho que o divisor de águas na vida da Cecília se deu muito na infância, porque ela não teve a presença da mãe. A Rebeca viajava muito, era uma modelo muito famosa, e o pai teve problemas com drogas e abandonou ela na infância. E acabou que ela foi meio que criada pela avó. Só que isso só vai se dar nas narrativas, a gente não começa do ponto de partida da história da Cecília. Então pode acontecer de o público não ter uma simpatia pelo jeito que ela fala, mas é uma menina muito traumatizada, foi abandonada, não teve amor. Eu considero a Cecília uma menina muito carente de afeto e presença dos pais em sua vida.

E pelas cenas dá para perceber que a Rebeca sente isso, mas não quer enfrentar, né? Ela sente, tenta recuperar e às vezes age como se nada tivesse acontecido e isso irrita profundamente a Cecília. Tipo, você nunca teve aqui, agora quer estar presente como se nada tivesse acontecido. Eu acho que tem um certo egoísmo por parte da mãe ou o querer que tudo fique bem logo, sem passar pelos problemas, sem conversar sobre o que aconteceu, sem encarar. E na novela da Lícia é tudo muito psicológico, parece uma sessão de terapia, todo o mundo é muito profundo e cheio de camadas e é isso que acontece mesmo. Às vezes a gente quer passar pelo problema, sem enfrentar ele de fato. E a Cecília é cheia de remorsos e acho que por conta disso ela tem essa personalidade muito marcante, incisiva, de atacar a mãe, às vezes. Espero que o público entenda que é devido a muita coisa que ela passou.

E a Cecília agora entra na carreira de modelo, ela curte ou é para enfrentar a mãe? A Cecília odeia o universo da moda, porque isso tirou a mãe de perto dela, “sequestrou” a mãe, a Cecília tem pavor desse mundo. Ela odeia aparência, moda, futilidades, ela julga muito a mãe por isso. Por que você se importa tanto com isso, não é relevante... A Cecília é uma menina nova, não sabe quais são os problemas de uma pessoa que vai perdendo aquilo que sempre teve na vida, que é importante e muito caro para a Rebeca. A Cecília acaba entrando nesse universo porque ela quer muito sair de casa. Ela odeia o padrasto, tem essa relação de remorso com a mãe. E acho que saindo de casa, num sonho dela, a mãe irá atrás dela e será a mãe que ela sempre sonhou. Eu acho que ela vai começar a disfrutar um pouco disso, mas não vai se apaixonar perdidamente pela profissão. Mas a carreira dela vai deslanchando, ela vai voar.

E a mãe ainda vai se envolver com o amigo dela, o Felipe, personagem do Gabriel Leone... Nossa! Porque essa coisa da mãe não aceitar a idade é muito danoso para a Cecília, é uma coisa que ela critica. E agora a mãe começa a ficar com um homem muito mais novo. A Cecília tem os preconceitos dela. Eu, Fernanda não, eu acho maravilhoso, torço para que a Rebeca fique com ele. Mas para a Cecília é um choque. A Cecília cresce com a Bela (Brunna Martins), a melhor amiga, como se fosse irmã. E a mãe tirar o namorado da melhor amiga vai ser mais uma facada nas costas dela, vai ficar revoltada.

Pode surgir um amor para a Cecília? Eu não sei se pode contar... Deixa essa dúvida no ar.

Como é pra você na sua estreia atuar ao lado de nomes como a Andreia Beltrão, Marco Ricca, Alinne Moraes? Meu Deus, Andréia Beltrão, Zé de Abreu, Marco Ricca, que eu sou apaixonada pelo trabalho dele e agora pela pessoa. Todos são maravilhosos! A Alinne Moraes, que carisma, que pessoa do bem. A Ana Baird, que faz a tia da Cecília, eu não a conhecia, uma atriz incrível, cantora maravilhosa, uma performer, que mulher. Eu amo todos do elenco, mas hoje eu posso dizer que a Ana Baird e o Marco Ricca estão marcados no meu coração.

Foto: Guilherme Sausanavicius

Há alguma semelhança entre você e a Cecília? Quase nada. Eu tenho a personalidade forte como ela. Mas eu acho que eu guardo um pouco mais, a Cecília é mais explosiva, quando a coisa acontece ela já se enfeza, briga, encara o problema. Eu sou mais reservada, eu digiro melhor as coisas, depois digo, vamos conversar? Aí falo as verdades como a Cecília, mas eu tenho o meu tempo. Isso acontece muito pela idade, ela é muito nova, eu tenho 27, 10 anos a mais que ela.

E como está sendo estrear em novelas e poder homenagear a sua mãe, Juliana? Ah, isso é muito bonito. A minha família é muito humilde. Eu sou da extrema zona leste de São Paulo, da periferia. E a minha família vem do sertão do Ceará. E eles passaram diversas dificuldades. E lá poucos tinham televisão. E a minha mãe ficava encantada com aquilo e ela ia de vizinho em vizinho para ver quem tinha TV, ficava na janelinha espiando. E as pessoas ruins fechavam na cara dela, mandavam ela embora. E ela foi desenvolvendo ali um sonho, o que que é isso? A pessoa está falando de verdade esse texto, o que é? E ela fantasiou isso muito na infância e sempre quis ser atriz. Eu postei no meu Instagram um vídeo muito fofo no dia da minha estreia, ela chorando, me abraçando, nossa, ela é muito linda. Ela está realizada em mim. E eu fico muito feliz com a felicidade dela, eu fico emocionada.

Você fez filmes, séries, mas agora você está numa novela das 9 em que a visibilidade é muito maior. Como espera lidar com a coisa da fama, do assédio? Eu acho que de forma muito natural porque as coisas foram acontecendo tão aos poucos, foram tantos caminhos, pra lá, pra cá, que realmente eu sou muito pé no chão, eu passei por muito coisa. E a minha família tem uma história que eu admiro, que eu honro muito. Então isso de forma nenhuma acho que vai subir para a minha cabeça. E eu sou um bichinho do mato para Instagram, eu não entro muito nas redes sociais, inclusive vou começar a fazer mais isso agora, postar mais. Eu tenho um medinho de exposição, a internet é muito cruel... Mas acho que vai dar tudo certo.