Poesia falada, cinema e todas as artes no cotidiano da múltipla Elisa Lucinda

Atriz, poeta e professora, ela finaliza o novo livro e prepara festa literária inédita no Espírito Santo


22 de setembro de 2020 00h20

Foto: Jonathan Estrella

Por Daniela Sallet

Elisa Lucinda não me conhecia. Por mensagem de texto, expliquei quem eu era e fiz o convite para uma live. Menos de cinco minutos e ela confirmou presença: “Posso sim, querida”, foi sua gentil resposta.  Agradeci o rápido retorno, escrevi que falaríamos do Festival de Cinema de Gramado e de poesia e comentei que estava chovendo em Porto Alegre, onde moro. Desta vez, Elisa respondeu cantando: “Chove na tarde fria de Porto Alegre/ Trago sozinho o verde do chimarrão/ Olho o cotidiano, sei que vou embora/ Nunca mais, nunca mais”. É o início de uma canção emblemática no Rio Grande do Sul, Ramilonga, de Vitor Ramil.

Ganhei arte de presente, já no primeiro contato. E assim é com esta capixaba que largou o Jornalismo e mudou para o Rio de Janeiro aos 33 anos. A arte é o próprio cotidiano dela, aliás, várias artes. Elisa Lucinda canta, é atriz de cinema, teatro e televisão, escreve romances e poesias, e ainda pratica e ensina a poesia cantada. As aulas são pela Casa Poema, sua escola e editora, em sociedade com Geovana Pires. “Poesia é democrática, serve para tudo e para todos. É equipamento de cidadania, de compaixão, de empatia, de ética, de ação”, define Elisa, como uma declaração de amor ao gênero literário que a levou aos palcos e feiras literárias de todas as capitais brasileiras.

A live, no Instagram do Portal ArteBlitz, Elisa Lucinda fez direto da Capital do Forró, a Vila de Itaúnas, bem ao norte do Espírito Santo. Ali, o Parque Estadual é reconhecido pela UNESCO como Patrimônio da Humanidade. Reúne manguezal, restingas, dunas e floresta, ecossistemas que a poeta sabe aproveitar muito: “Ontem, tomei banho de rio, hoje cedo subi as dunas e tomei banho de mar. Gosto quando desperto cedo e posso curtir o primeiro mar, o mar da manhã, o mar criança”, fala, fazendo poesia com o próprio cotidiano. É assim mesmo, quando conversamos, o primeiro poema já estava pronto: “De manhã, abro logo a casa, aqui a casa passa o dia inteiro aberta, não tem o faroeste das cidades grandes, sabe? Então comecei a pensar nisso e a escrever Quem vigia o poeta? Nem sabia que iria se chamar assim”, diz, reconhecendo que não tem disciplina para escrever. “Escrevo cumprindo as ordens da inspiração, que faz o que quer com a gente”.

Foto: Jonathan Estrella

No cinema, Elisa Lucinda também assume muitas inspirações. Foram nove filmes só no ano passado, atuando em papéis bem distintos: de rezadeira a bispa, de prostituta a porta-bandeira. No 48º Festival de Gramado, está no elenco do filme Por que você não chora?, dirigido pela brasiliense Cibele Amaral. O longa está na competição principal e trata do delicado tema das doenças psíquicas, como o Borderline, e do suicídio. “Existe um tabu envolvendo o tema e um preconceito com a saúde mental. Tenho amigos que não colocam placa na porta pra ninguém ser visto entrando num consultório psiquiátrico”, comenta, reconhecendo a coragem da diretora em levar o assunto para o cinema. Elisa Lucinda interpreta uma professora de Psicologia da Universidade de Brasília - UnB. Ela propôs, e Cibele Amaral aceitou, caracterizar a personagem com tranças, uma identidade bem africana. “Só o fato de ter uma professora negra, rastafári na UnB é um signo, é importante”, diz a artista que também milita contra a discriminação racial. E, quando o racismo entra na conversa, Elisa lembra o que ouviu do gerente de um restaurante: “Nós não atendemos negros aqui”. Foi em Caxias do Sul, na Serra Gaúcha, ironicamente quando ela estava a caminho de Gramado, para ser homenageada no Festival de Cinema. “Já me pediram desculpas oficialmente. Estou contando isso com respeito por Caxias, não tem nenhuma mágoa. É apenas um registro de mais uma mazela brasileira que a gente tem que enfrentar”, afirma.

Nas aulas de cidadania ou nas aulas de arte, Elisa Lucinda é mestra. Tem ensinado poesia falada para atores e para iniciantes. Em tempos de distanciamento, adaptou-se ao modo online e é atuante também nas redes sociais por um bom motivo: “Meu público foi ficando mais jovem, então, as redes são uma imposição pra mim”. Conectada e engajada, ela segue produzindo suas poesias. O novo livro está em finalização, com muitos versos criados lá mesmo, onde a poeta passa seu “exílio” na quarentena. Diário do Vento será o primeiro com o selo da sua Casa Poema. E os ventos vão mesmo espalhar poesia pelos lados de Itaúnas. Em maio do ano que vem, a Vila capixaba será palco para a feira literária Festa da Palavra. Aqui, em solo gaúcho, ficarei torcendo para receber o convite da Elisa Lucinda. Vou aceitar na hora, recitar um dos seus versos em mensagem de voz e voar para poetar com ela.