Breve crônica de uma live com a "claridade" da escritora Martha Medeiros

Gaúcha revela generosidade e leveza e fala do novo livro de ficção, que chega em outubro


12 de setembro de 2020 19h31

Foto: Reprodução Instagram

Por Daniela Sallet

Tive sorte. A live com a Martha Medeiros, no Instagram do Portal ArteBlitz, estava marcada para o dia em que seu novo livro começou a rodar na gráfica. A Claridade lá Fora, pela editora LPM, sai daqui a pouco, no mês de outubro deste inesperado 2020. É uma ficção, com enredo “profundo, louco e divertido”, como ela mesma definiu. A trama da protagonista Lígia está ambientada em uma fictícia e pacata praia gaúcha, por sua vez inspirada na real praia de Torres, onde a escritora já passou muitos verões.

Tive sorte, mas... Murphy existe. E ele decidiu se materializar na minha vida, na minha sala, exatamente na hora da live com a Martha Medeiros. Estava feliz, em especial porque seria minha primeira conversa profissional com ela. Passei mais de duas décadas em alguma redação de TV no Rio Grande Sul e nunca antes havia entrevistado a escritora. No Sul, a gente lê crônicas da Martha há quase 30 anos, muito antes de ela tornar-se conhecida em todo o Brasil e fora dele. Temos aquela certa familiaridade, afinal, podemos cruzar com a escritora no cinema ou em algum evento. 

Sabe-se lá por que, a famosa Lei de Murphy decidiu dar as caras, tudo havia sido testado com a devida prudência e antecedência. Para quem não tem proximidade com a expressão, ela refere-se ao fato de que “se algo pode dar errado, dará”. E foi quase desesperador. Simplesmente não conseguia entender uma frase inteira da convidada. No meu ouvido e na minha tela, era um corte atrás do outro, igual ao “arranca e para” dos congestionamentos. Só para mim, porque Martha e a plateia virtual acompanhavam tudo, tranquilamente. Assim, minha ilustre entrevistada seguia, entusiasmada, falando do novo livro, do início da trajetória na poesia, das fontes que alimentam sua inspiração. O que acontece no mundo, o cotidiano, os sentimentos, a maturidade e a finitude são matéria- prima para seus escritos além, é claro, da arte.

Administrando a precariedade que se jogava nos meus olhos e ouvidos, sem conseguir dar muita continuidade aos temas, ainda falamos dos livros adaptados para o teatro, cinema e TV e da confiança que Martha tem nas equipes a quem autoriza as adaptações. Em vez de interferir, ela prefere aplaudir da plateia, desfrutar o espetáculo. Eu tentava o que Martha ensina, viver o presente, como ela faz nas tantas lives em que é convidada a participar. “Me entrego ao momento, estou inteira nele”, afirmou. Comigo, não deu, tive que compartilhar a dificuldade técnica e ambas tiramos os fones. Mais um pouco de conversa, e o problema se agravou.

Transmissão interrompida, um minuto até reconectar, e volto com o ar mais sem graça do mundo. Martha reaparece sorrindo, o ar da compreensão. Com paciência, repete o assunto da pergunta anterior, assumindo o momento feliz da própria vida no trabalho, com as filhas e o namorado. E reflete: “... o que eu posso desejar mais? Quero que as coisas se mantenham como estão, que eu tenha saúde pra poder continuar com estas relações que tenho, para viver essa terceira etapa da vida, que começa daqui a pouco, da maneira mais saudável possível e com a cabeça boa. A gente tem que estar com a cabeça boa, serena, sem ficar arrastando correntes e brigando. Então, é isso o que eu quero, paz, sabe?”.

Sei, Martha, tudo o que eu queria era estar em paz com aquele bendito sinal de internet que nos conectava. Queria tanto ter te perguntado e te escutado mais, ter conseguido estar 100% presente naquela conversa. Citada e referenciada em sala de aula, em conversas informais e nas audiências de suas peças ou filmes, a escritora que traduz como poucos tudo o que é humano, também revela uma genuína leveza diante dos imprevistos.  Martha Medeiros vive consciente de que cada instante é algo irrepetível. Com afeto e solidariedade, é mestra em mostrar que a escuridão de uma circunstância pode apenas anteceder A Claridade lá Fora.