Angelo Paes Leme, sem saudosismo: “Com a idade, tenho feito mais papéis de densidade dramática”

Aos 47 anos e 30 de sólida carreira, o ator encara o desafio de viver mais um protagonista, o Terá, em Gênesis


19 de fevereiro de 2021 00h30

Foto: Divulgação

Por Luciana Marques

*A entrevista completa está disponível no vídeo, abaixo.

Aos 47 anos de idade e com 30 de carreira, iniciada no teatro, Angelo Paes Leme é do seleto time dos atores mais requisitados de sua geração. Tanto que ele está no ar na pele de mais um protagonista na Record TV, o Terá, pai de Abraão (Rafael Sun/Vitor Novello), na fase Ur dos Caldeus, da superprodução Gênesis. “Gosto da minha idade, do momento que eu tô vivendo, não tenho saudosismo nenhum. Acho que quanto mais a gente vai envelhecendo, parece que os papéis vão melhorando, pelo menos pra mim tem sido assim”, avalia ele, que só de Record TV completa 15 anos, desde a estreia na emissora em Vidas Opostas, emendando grandes personagens como José do Egito, na minissérie homônima.

O ator conta que a experiência em novelas bíblicas tem sido rica, não só com a oportunidade de fazer grandes papéis. “Hoje venho conhecendo melhor a bíblia, eu tinha uma relação mais distante”, afirma. Com passagens no início da carreira pelo Tablado e cias de teatro, Angelo, que foi alçado ao sucesso na TV, em 1995, como o Caio, de História de Amor, acha que a nova geração tem se preocupado demais em produzir conteúdo para canais e redes sociais. “Se eu puder dar um conselho, se descubra ator fazendo teatro, cinema ou TV, se aprofunde, estude”, diz. Na entrevista, ele também fala da emocionante experiência de ser pai de Caetano, de 9 anos, da união com a atriz Anna Sophia Folch. “Eu sou outro homem depois da paternidade. E isso vem influenciar também minha profissão, o ator que eu sou”.

Terá (Angelo Paes Leme). Foto: Vinicius Muhammad/Record TV

O que mais instigou você nesse trabalho? É um projeto grandioso e atraente esse desafio de contar as sete histórias partindo de Adão e Eva, do início da humanidade. E o Terá é um personagem incrível, é mais um personagem que eu tenho a sorte e o privilégio de poder viver. E é uma história intensa. Todas as histórias bíblicas, os personagens, nos colocam em situações extremas, de emoção e de conflito com as suas próprias escolhas e com o mundo. O Terá é um personagem que tem uma densidade dramática profunda.

O significado de Terá é “atraso”, e o personagem quer mostrar o contrário disso, que ele pode ser um vencedor, é mais ou menos isso? Ele carrega essa sombra, esse trauma com ele. Mas, ao mesmo tempo, o Terá tem tanta perseverança, eu acho que ele é um homem com tanta obstinação, com esse objetivo de vencer na vida, de conseguir a prosperidade para si e para a própria família. É bonito ver isso. Acho que todo o homem procura de alguma maneira isso, o seu próprio crescimento. E como consequência disso, a prosperidade também, o conforto, a conquista de alguns bens. Ele sonha com isso. Ele e a Amat (Branca Messina) saíram de um lugar muito pobre, sem oportunidades. Já a cidade de Ur dos Caldeus é excitante por isso, é um polo industrial, de comércio, onde as pessoas chegam com esse objetivo, de tentar crescer, de tentar enriquecer. Ele sabe que ali ele tem essa chance.

E chegando lá, ele tem que lutar contra as distrações, a idolatria da cidade para não perder a sua fé... É esse caminho que a gente vai ver do Terá? É isso e muitas coisas que vão acontecer. Ao mesmo tempo que a cidade tem uma cultura própria, é uma cidade que acredita na força dos deuses, não tem um Deus único, idolatra os seus deuses, que aceita a poligamia. São coisas muito diferentes da vida real dele, do que ele e a Amat acreditam. E quando ele conseguir se infiltrar ali e se tornar um cidadão reconhecido e bem sucedido pela destreza nos negócios, pelo seu charme, beleza, ele vai se relacionar com aquele mundo, com as pessoas. E é um mundo que tem a competição, a sedução, a inveja, a ambição, às vezes desmedida, o rancor, a traição. Só que quando o homem tem uma ambição enorme de vencer na vida, ele pode perder a medida, do que ele acredita, da sua fé, dos seus valores morais. Ele vai se sentir seduzido por muitas coisas.

A sacerdotisa Nadi (Camila Rodrigues) será uma dessas tentações, né? Eu acho que a Nadi aparece na vida do Terá, inicialmente, num fator de sorte. Ela que abre os caminhos para ele para quem tem influência e poder naquela sociedade, como compensação pelo fato de ele ter salvado a vida dela. E ao fazer isso, ela coloca o Terá diante desse mundo com a possibilidade de ele vencer, ele vai passar por alguns testes. Ao mesmo tempo, a Nadi tem a própria história que também está na medida da mudança, pode dar certo ou não. Os dois estão numa situação parecida, de aceitação. Só que ela faz parte daquele mundo, e ele não, a prova dele é um pouco mais difícil. Mas a Nadi também tem um fascínio por ele, de alguma maneira ela viu nesse homem uma série de qualidades, que ela acredita não ter visto em nenhum outro, a delicadeza dele, a fidelidade com a família, também a virilidade, a coragem. É uma mistura de guerreiro e romântico. Por outro lado, o Terá está se deslumbrando com esse mundo. E a Nadi faz parte desse mundo, ela representa o luxo do feminino naquela sociedade, ela está sendo alçada ao posto mais consagrado naquele lugar entre as mulheres. E eu acho que para o Terá ela é um mistério também.

Você já fez grandes papéis em tramas bíblias, desde então, mudou a sua relação com religião? O que mudou é que eu venho conhecendo melhor a bíblia, eu tinha uma relação mais distante. As histórias são incríveis e eu venho lendo, estudando elas ao longo desse processo. E isso acaba transformando a gente. Quando eu fiz José do Egito eu fiquei muito transformado por aquele homem, pela capacidade dele de perdoar, pela fé inabalável no que ele acredita. Acho que acima de tudo o amor, é um homem cheio de amor no coração. Se tem a força do amor, ela existe no José. Então a gente para para pensar em muitas coisas na vida quando a gente se vê diante dessas histórias. Eu procuro, na verdade, uma leitura mais intensa da bíblia. E isso tem feito muito bem pra mim.

Foto: Divulgação

Você já está com quase 30 anos de carreira, começou novo no teatro, fez muita TV, também cinema, e sempre pareceu ser sempre muito focado. A sua percepção da carreira mudou muito desde aquela época em que você estava estreando? O ator está sempre em busca de bons papéis e essa sempre foi a minha busca. E olhando para trás, o que eu vejo e agradeço muito, é de ter podido viver tantas experiências, não só na televisão, como no teatro. Eu venho de uma geração de atores que se formaram fazendo teatro, seja no Tablado ou em companhias. O teatro sempre foi um lugar muito sagrado pra mim, no sentido de poder estudar, claro que cada um tem um meio. Mas eu falo estudar, de você aprofundar as questões da profissão de ser ator, passando pela dramaturgia, você ter a chance de estudar peças de vários autores, de épocas diferentes. E o lado artesanal do teatro é incrível quando você realiza uma peça você aprende muito. E uma coisa bonita do teatro é a coletividade, é você saber trabalhar junto e acreditar que o grupo unido consegue ser uma força criativa incrível, respeitando a singularidade de cada um. E o teatro te coloca em cena, literalmente, você tem esse mergulho na experiência do ator ao ensaiar, ao realizar o espetáculo diariamente e cada dia descobrir uma coisa nova. E te aquela força também de você estar em cena e não poder parar, é um movimento ininterrupto.

Da sua geração você é um vitorioso, tem uma jornada muito bonita. E, infelizmente, há tanta gente talentosa sem trabalho, porque não é uma carreira fácil, né? É uma carreira difícil. Eu acho que o que a gente não pode perder hoje é a nossa capacidade de produzir, mas mais importante, de se envolver com o que realmente pode significar crescimento para a gente como ator. Muitas vezes eu fico pensando, como o nosso tempo era dividido com essas coisas, a gente se encontrava, falava muito sobre a profissão. Se eu pudesse falar algo para um jovem ator hoje, seria isso, se descubra como ator fazendo teatro, televisão, cinema, o que tiver na sua frente. Mas se envolva com pessoas que estejam realmente procurando realizar teatro, televisão e cinema, procure bons profissionais, estude a profissão. Mas não se preocupe tanto em produzir conteúdo, não fique tão preocupado, porque hoje acho que existe uma pressão muito grande que a gente tem que produzir conteúdo dentro do nosso canal. A gente tem que mostrar do que a gente é capaz, eu penso num jovem de 20 anos, ele não tem que sentir essa pressão. Porque ele pode perder um tempo enorme nisso e acabar deixando de se envolver com o que ele deveria se envolver, a prática.

Terá (Angelo Paes Leme). Foto: Edu Moraes/Record TV

O público te acompanha desde novo na TV, como você lida com o envelhecimento, com os fios brancos? Eu acho ótimo. Na verdade, isso até tem uma relação interessante. Quando eu entrei na Record, em 2006, fiz Vidas Opostas, eu estava com 33 anos. E acho que eu entrei num momento muito legal, dos 30 anos. Com o passar do tempo, a gente vai descobrindo tanta coisa. Esse período que eu tive na Record, eu tive a chance de fazer papéis incríveis. Eu acho que quanto mais a gente vai envelhecendo, parece que os papéis vão melhorando, pelo menos pra mim tem sido assim. Então, que continue assim, eu não tenho nada para reclamar. E quanto aos cabelos brancos, já existem há muito tempo, porque eu comecei a ter cabelo branco desde novo. Claro que aumentou muito nos últimos anos, mas eu tenho desde 6, 7 anos de idade. O meu filho já tem uns dois, três fios, e ele tem 9 anos. Quando cheguei aos 20, tinha muito. Mas eu acho que a gente vai ficando mais velho e vai tendo a chance de fazer papéis de densidade dramática, não que não tinha antes, no meu caso vem acontecendo isso. Eu torço para que continue. Não tenho saudosismo nenhum. Tudo o que eu fiz, fiz da melhor maneira possível.

Camila Rodrigues brilha em novo desafio na TV como a enigmática Nadi, de Gênesis

A hora de Pablo Morais, o Ninrode, de Gênesis: “Vim do nada e estou construindo uma carreira no Brasil”