André Arteche relembra o cabeleireiro homossexual Julinho, de Ti Ti Ti: “Você sente na pele o preconceito”

Destaque na trama, de 2010, ator dá aula de teatro na CAL e tem projetos como diretor, escritor e no Instagram


22 de junho de 2021 00h41

Foto: Divulgação

Por Luciana Marques

*Entrevista completa disponível no vídeo, abaixo.

Há cerca de 10 anos, André Arteche encarava um desafio e tanto em sua carreira nas artes. Depois de atuar em tramas como Desejo Proibido e Caminho das Índias, ele encarou a missão de viver o cabeleireiro homossexual Julinho, de Ti Ti Ti. “Ele veio como uma certa confirmação do ator, perante o olhar do público”, constata. E, realmente, André, hoje com 37 anos, fez um trabalho marcante. Ele humanizou de tal forma o personagem, que o público que revê hoje a trama no Vale a Pena Ver de Novo, torce e se emociona com o rapaz. “O Jorge (Fernando – diretor) me deu o caminho. A diferença era fazer um cabeleireiro, homossexual, na faixa das 7, com uma sensibilidade, fugindo do estereótipo, da piada”.

Uma das cenas mais aguardadas da novela irá ao ar nesta terça, 22, quando Bruna (Giulia Gam) descobre que o filho Osmar (Gustavo Leão) era gay e namorava Julinho. Indignada, ela expulsará o jovem da mansão. “Quando você vive o personagem, sente na pele o preconceito, eu sentia como ator ali”, conta. O ator revela ainda que recebe inúmeras mensagens de pessoas contando o quanto Julinho as ajudou na autoceitação ou na descoberta ou na hora de conversar com familiares. No bate-papo, André, que é professor de teatro na CAL – Casa das Artes de Laranjeiras, no Rio, fala também dos projetos como diretor, escritor e da Live Com Vida, que comanda em seu Instagram.

Foto: Globo/Renato Rocha Miranda

De que forma o Julinho marcou a sua carreira, até hoje você recebe muito feedback do personagem? Eu tenho recebido muitas mensagens. E muita gente agradecendo ao Julinho por ter ajudado no processo, às vezes, de autoaceitação em relação à homossexualidade, embora isso seja muito particular, ou de descoberta ou na questão da relação com familiares. Na época eu tinha a noção, mas agora você tem a dimensão, porque está mais próximo do público com a rede social. Muito gente contou que assistia à novela junto com os pais e a partir daí os pais começaram a ter uma noção mais clara do quão natural deveria ser a questão da homossexualidade. De você se apaixonar, gostar de alguém do mesmo sexo. Que isso não é uma doença, um pecado, um problema, é uma questão humana. E o Julinho também veio num momento importante da minha carreira. Ele foi uma espécie de confirmação do que eu tinha apresentado com o Indra, em Caminho das Índias, depois veio Dança dos Famosos... Então, é um personagem que eu sou muito grato aos autores Maria Adelaide Amaral e Vincent Villari, aos colegas e ao diretor Jorge Fernando.

Você fez cenas muito densas, principalmente com a Giulia Gam, mas a gente percebe que você conseguiu passar muito a questão da humanização do personagem, né? Quando vi o que era o personagem, conversando com o Jorge, eu me dei conta que eu tinha uma responsabilidade dessa humanização. E eu me dedico muito ao que eu faço artisticamente. E eu queria fazer o personagem bem-feito, era importante pra mim por vários motivos. E porque eu sabia que havia ali uma carga dramática, uma carga social no personagem, que cabia a mim como intérprete procurar executar da maneira mais bonita possível. E o Jorge Fernando me deu o caminho no início, ele disse, é humano, é humanização, foge de qualquer estereótipo, piada. Quando eu li o briefing do personagem, cabeleireiro, homossexual, numa novela das 7, a primeira imagem que veio para mim, seria uma coisa puxando para o humor, que já tinha sido feito, mas não era o caso do Julinho. Era justamente isso, fazer um cabeleireiro, homossexual, com uma sensibilidade, era a diferença. E eu tive a sorte de cair com a Giulia, uma grande atriz, a gente se deu super bem, assim como com a Ísis (Valverde). Nessa volta eu até retomei o contato com a Ísis. Mas eu sabia que tinham grandes atores comigo que me ajudariam a fazer as cenas que deveriam ser feitas. E acabou dando certo.

O que você mais aprendeu ao viver o Julinho? Na minha busca por humanização do Julinho eu acabei me aprofundando na questão. Eu sempre tive muitos amigos gays, sempre convivi com eles e nunca tive nenhum problema e nunca fiz nenhuma diferenciação. Mas sem dúvida, quando você vive o personagem, você sente na pele o preconceito, eu sentia como ator ali. Então, é claro que você desenvolve a empatia, ainda mais. E eu acho que falta muito isso nas nossas relações, porque você não se coloca na pele do outro, é difícil. Porque parece que o problema é do outro, que está distante, que aquilo nunca vai acontecer com você. Mas se você se coloca na posição do outro, por um instante só, você pensa, caramba, e se fosse comigo. Se colocar no lugar do outro, de uma minoria por exemplo, fica mais compreensível saber que a gente deve olhar para todo o mundo de uma maneira igual. Então o Julinho me ajudou muito nesse sentido. Ao interpretar um personagem que sofria preconceito, eu fui procurando e procuro até hoje, desenvolver esse meu lado, que hoje a gente chama de empatia. No colégio, eu aprendi que era reciprocidade, de se colocar no lugar do outro.

Foto: Divulgação

Hoje a gente está vendo muitos atores se produzindo, escrevendo, dirigindo, você acha que esse é o caminho? Acho que a internet mais uma vez trouxe novas possibilidades no quesito da autoprodução, porque com um celular hoje você faz o seu vídeo, edita, as pessoas fazem música... Hoje eu também mergulhei na parte acadêmica, estou dando aula de teatro na CAL. E eu percebo, vejo a galera nova chegar e falo, vai cara, não espera, porque o caminho hoje é você se autoproduzir. E eu sempre tive uma característica mais empreendedora. Eu sempre tive os meus projetos, mesmo como ator, quero fazer tal peça. Eu ia fazendo, mas depois que eu comecei a escrever e dirigir, aí eu mergulhei de vez na produção. Eu fui equilibrando várias vertentes. E o meu trabalho como ator também segue. Hoje em dia eu tenho um certo norte na parte da escrita e da direção, mas em vários trabalhos que eu tô planejando, eu também estou como ator. Eu descobri que as coisas se conectam. Eu achava que se eu fosse fazer um trabalho como professor, não se conectava com a minha carreira de diretor, mas eu descobri que um aluno é perfeito para um personagem que eu precisava. A gente está nesse momento do mundo que as coisas se conectam. E eu percebi que esses vários caminhos que eu estou seguindo se ajudam um ao outro.