Gustavo Machado: Personagens marcantes, roteiros, direção e rock na trajetória

Ator, que vive o envolvente Roberto da série Coisa Mais Linda, assina codireção de longa


24 de outubro de 2020 00h58

Foto: Globo/Maurício Fidalgo

Por Daniela Sallet

Dez entre dez espectadores da série Coisa Mais Linda, na Netflix, estão torcendo pela próxima temporada. Um roteiro afinado e um elenco idem trazem para a tela os desafios do universo feminino na chegada da década de 1960. As mulheres são protagonistas da trama que visibiliza temas como machismo, racismo, trabalho e independência financeira. Tudo na perspectiva de uma época em que cabia a eles prover, e a elas manter o universo doméstico impecável. Na série, Gustavo Machado interpreta Roberto, um atraente empresário do mundo da música - com uma previsível dose de arrogância -, que se transforma da primeira para a segunda temporada. O ator entende que foi um processo de aprendizado do personagem, motivado pela paixão. “Se ele se mantivesse o rei da cocada preta, a relação ia dançar. Malu não é mulher de ficar aguentando machão”, diz, referindo-se à personagem ousada de Maria Casadevall, por quem Roberto se apaixona.

De homens prepotentes ao extremo oposto, variados tipos já passaram pelas interpretações do carioca, que começou a fazer teatro aos 17 anos. No monólogo A Voz que Resta, ele dá vida a Paulo, destruído por um amor não correspondido. Com frequência, Gustavo ouve de amigas que é bom ver no palco um homem hétero, sofrendo desta maneira tão feminina. O ator concorda: “Essa coisa de amor tem um estereótipo, a mulher chora, se desintegra. Já o homem, sentindo a mesma dor, parte para a agressividade, tem sempre a testosterona que explode. É muito difícil o macho ficar em casa, ouvindo Maysa e chorando”, analisa.

O ator como o Roberto, da série Coisa Mais Linda. Foto: Reprodução Instagram

Num logo papo, em live no Instagram do ArteBlitz, Gustavo Machado encarou com leveza alguns problemas de conexão, tomando café e fumando cigarro de tabaco, que ele mesmo prepara. Acabou mostrando que a prática da vida real tem influência no charme dos seus personagens. Gustavo fumando em cena é arrebatador, mostra que sabe do ritual. Foi assim em Coisa mais Linda e no filme Elis (2016), como o compositor e produtor musical Ronaldo Bôscoli, o primeiro marido da cantora. Na imersão para conhecê-lo, Gustavo leu vários livros e conversou com amigos íntimos de Bôscoli, como Vanda Sá e Miéle. Não havia material em vídeos para ajudar na composição do personagem boêmio, conquistador e bon vivant. Alguém bem próximo, em família, acabou inspirando o ator: “Meu pai era um cara dessa linhagem, fumava lindamente, super-sedutor, contemporâneo do Ronaldo. Então, tinha essa entidade do meu pai que era perfeita”, explica.

Foram dezenas de produções em teatro, cinema e TV desde que chegou a São Paulo, em 1993. Sete anos depois, Gustavo Machado integrou o elenco do aclamado Bicho de Sete Cabeças (2000), primeiro longa da diretora Laís Bodanzky. “Na época, a luta antimanicomial estava muito forte, a gente ainda tinha essa relação com os doentes mentais muito agressiva, preconceituosa. Então, o filme foi mais uma ferramenta nessa luta”, lembra ele. A ferramenta que rendeu premiações ao próprio Gustavo foi Olho de Boi (2007), de Hermanno Penna, gravado em uma fazenda, no interior São Paulo. Pelo papel de Cirineu, recebeu o troféu de Melhor Ator da APCA - Associação Paulista de Críticos de Arte - e o Kikito do Festival de Cinema de Gramado. Prêmios que ele gostaria de ter compartilhado com o colega de elenco Genézio de Barros, com quem contracenou o filme inteiro. “Eu ganhei, adorei ter ganho, estão aqui no meu altar, são prêmios lindos. Mas, acho um pouco injusto, porque meu trabalho foi absolutamente indissociável do trabalho do Genézio. Eu imitei ele, clonei ele. Se a banca não dividiu, divido agora porque é justo, artisticamente falando”, reflete.

Gustavo, no longa Elis, como Ronaldo Bôscoli. Foto: Globo Filmes/Divulgação

A atuação ocupa mesmo a maior parte dos seus 30 anos de carreira. Em duas produções, Gustavo interpretou um fotógrafo: Disparos (2012), primeiro longa de Juliana Reis; e Eu receberia as Piores Notícias dos Seus Lindos Lábios (2011), de Beto Brant e Renato Ciasca, gravado em Santarém. No Pará, o intérprete de Cauby teve que aprender a fotografar e a conduzir um ensaio com cenas de improviso, divididas com Camila Pitanga. “É um dos filmes que mais amo assistir e amo ter feito pela trupe, pelo local, aquelas comidas, cheiros e temperos, aquele rio, aquela água toda pra todo lado, ficou meio lisérgico o filme”, diz.  Nenhuma alucinação, não, o moço de incontáveis papéis, é criativo também em outras áreas. Escreveu três roteiros de ficção, fez preparação de elencos, dirigiu peças teatrais e curtas. O primeiro longa chega em 2021, é a adaptação para o cinema da peça A Voz que Resta, em codireção com Roberta Ribas. “A última diária foi sábado, aqui em casa”, comemora. Para completar, está gravando clipes com a própria banda de rock, A Baderna Baila, onde é compositor e vocalista. Coisa mais linda essa versatilidade toda, Gustavo Machado! Que o público receba só as melhores músicas, os melhores textos e as melhores notícias dos seus lindos lábios. E dos lábios de todos que driblam os disparos e seguem fazendo arte neste Brasil.

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